quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

  1.  

A bênção da decepção

Daniel Lima

Adão confiou em Eva, a ponto de ignorar uma ordem que conhecia e aceitar dela o fruto proibido. Abel confiou em Caim, a ponto de ir com ele ao campo onde foi morto. José confiou nos irmãos, a ponto de ir sozinho encontrá-los no local onde foi vendido aos mercadores. Eu poderia continuar. A história é repleta de decepções. Na verdade, tenho certeza de que a sua vida também tem muitos episódios de decepções com pessoas.

Decepções são diretamente proporcionais ao quanto confiamos nas pessoas. Apesar de entristecido, eu não fico decepcionado ao ouvir de crimes e erros cometidos por estranhos. No entanto, quando alguém que conheço (especialmente se eu admiro a pessoa) comete um erro ou peca contra mim, minha decepção pode ser paralisante. Decepções são tão fortes quanto minhas expectativas e confiança no outro.

Há três reações diante de decepções. A primeira é continuar confiando ingenuamente, achando que o ocorrido foi uma exceção e que a próxima pessoa em quem eu confiar não vai me decepcionar. Essa reação tem vida curta, pois a próxima decepção desafia minha capacidade de voltar a confiar. Há, no entanto, um processo curioso em que algumas pessoas que foram decepcionadas podem continuar buscando quase obsessivamente uma nova relação com alguém em quem possam confiar. Assim, no próximo relacionamento a pessoa se entrega cegamente, crendo que este será, sim, o relacionamento seguro e confiável que tanto buscava. Uma vertente desse comportamento se apresenta em mulheres maltratadas que se entregam a novos relacionamentos abusivos, ignorando sinais, às vezes evidentes, de provável abuso.

Uma confiança cega na nobreza humana vai, fatalmente nos levar às mais profundas decepções.

O profeta Jeremias comenta sobre essa tendência humana em Jeremias 17.5: “Assim diz o Senhor: ‘Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor’”. Uma confiança cega na nobreza humana vai, fatalmente nos levar às mais profundas decepções. O profeta se apressa a firmar no verso 7 do mesmo capítulo: “Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está”. Uma confiança excessiva em pessoas é mais do que ingenuidade, é engano; é confiar em alguém que é falho como nós e não será sempre íntegro. Precisamos contar com as imperfeições humanas.

Uma segunda opção, talvez a mais frequente, é desenvolver uma postura de desconfiança ou mesmo amargura generalizada. A partir dessa posição a pessoa começa a se manter distante de qualquer relacionamento, temendo sempre a próxima decepção. Tais pessoas acabam por desenvolver um estilo de vida de isolamento, usando as mais variadas desculpas. Posto que fomos criados para nos relacionarmos, quem opta pelo isolamento defensivo está cortando o tubo de oxigênio e de significado de sua vida. Por um lado, terão sucesso (não terão muitas novas decepções); por outro, viverão as antigas decepções ou possíveis decepções e desconfianças em sua mente que as bloqueiam de um novo e frutífero relacionamento. Para isso o autor de Hebreus tem uma forte exortação em Hebreus 10.24-25.

Texto extraido